Vamos conversar?

Vamos conversar?

domingo, 10 de junho de 2012

Catarse


Diria, ser uma explosão silenciosa! Um vulcão em erupção. Movimento sem volta. Vômito. Panela com água em ebulição.

Catarse é algo definido de diferentes maneiras. Veio-me a mente, agora, quando quis escrever sobre minha explosão silenciosa. Um processo novo para mim, já que quem me conhece, sabe o quanto não sou silenciosa, o quanto minha natureza fala, fala, sem muitas vezes ouvir, não aos outros, mas a  mim mesma.

Sonoramente, catarse me parece apropriado para definir o momento em que estou. Para certificar-me, busquei seu significado. Definitivamente, só comete gafes quem quiser. Você acessa, pesquisa e, em segundos, vê o significado do que quiser a sua frente. Catarse é “purgação, purificação, libertação de coisas estranhas à natureza, ato de liberdade produzido por certas atitudes”.

s.f. Medicina. Religião. Filosofia. O mesmo que purgação ou purificação. Refere-se à libertação do que é estranho à natureza do sujeito.
Estética. Teatro. Num espetáculo trágico, refere-se ao desenvolvimento de uma espécie de purgação de alguns sentimentos, nomeadamente, de pavor ou de compaixão, do público.
Medicina. Ação de evacuar os intestinos.
Psicologia. Tratamento das psiconeuroses, que consiste em estimular o paciente a contar tudo o que lhe ocorre sobre determinado assunto, a fim de obter uma "purgação" da mente.
Psicologia. Ato de liberdade produzido por certas atitudes, principalmente, representado pelo medo ou pela raiva.
Psicanálise. Processo para trazer à consciência do ser as emoções ou sentimentos reprimidos no seu próprio inconsciente, para que ele seja capaz de se libertar das consequências ou problemas causados pelos mesmos.
Retórica. Segundo Aristóteles, a "purificação" experimentada pelos espectadores, durante e após uma representação dramática.
(Etm. do grego: kátharsis)

E de dentro de mim mesma, vejo que estes processos vão acontecendo. É um caminho. Por ele, passo, em diferentes vestimentas. Externamente, são cores, formatos mil. Internamente, sabores que experimento, aprecio e me fazendo querer manter comigo, os que me agradam.

O corpo, este transeunte que passa, mas não permanece, esconde a alma, esta sim, de olhos atentos e brilhosos que quer ficar um pouco em cada lugar e levar consigo algo a tornou mais viva!

As fases da lua



Creio ser difícil uma vida sem excessos! Vejo difícil o equilíbrio que dosa, exatamente. É uma tênue nuvem, o limite que separa o que é bom daquilo que fará mal!

Sou movida a paixões, a sonhos. O tempo todo tenho de estar sendo movida por algo que me dê brilho nos olhos. Que me injete ar nos pulmões. Que me abra caminhos e me mostre caminhos longínquos para onde mirar e por onde desejar ir.

Diria que sou uma mulher de fases... Frase batida com infinitas interpretações. Mas que dão margem a quatro facetas, numa analogia à limitada bipolaridade, onde se é um, ou outro. Extremos opostos. De lá, ou de cá. Ou isso, ou aquilo. Já em fases da lua, vejo, a possibilidade é de ter quatro estágios onde há quatro ápices, dependendo do ponto de vista. O ápice de um é, exatamente, o vazio do outro. E dentre eles há o caminho que leva a ele, em fases de crescimento, ou “minguamento”. De encher-se, ou esvaziar-se. De brilhar mais, ou de recolher seu brilho. E as fases se sucedem, incessantemente, sem constrangimento algum, pois se complementam e, embora antagônicas, necessitam que a outra exista para elas mesmas coexistirem!

Vôos X Gaiolas



Gaiolas são os nossos “exagerismos” que começam como algo bom, passam da dose, nos aprisionam, quando deveriam nos libertar.

Tudo aquilo que começa bem, nos faz bem, mas que por um erro de cálculo de nossas pretensões, tornam-se excessivos, numa ânsia de satisfazer-se, mais e mais, roubam-nos a cena, tomam conta de um espaço que não é só seu e amarram-nos as pernas, os braços, as asas de voar longe, os olhos que avistam muito mais!

Gaiolas são paixões descontroladas que, por assim serem, nos controlam, numa razão inversa que provoca uma contradição. Eu me apaixono, mas não sou eu mais que controlo este meu objeto de desejo e uso. Faço parte da vontade e vaidade dele. Ele comanda o quanto o quero, o quanto necessito dele.

Toda gaiola é extremamente egoísta! Quer centralizar em si própria a atenção, o tempo de dedicação, a vida de uma pessoa.

Gaiolas são vícios! Que nos dão prazer no início, mas que nos escravizam depois...

Gaiola é quando você perde o equilíbrio entre o vôo e o vício. E faz de seu sonho, um pesadelo, do prazer, um sacrifício, quebra a asa de tanto voar sem descansar.

Casulo




Interessante como me encasulo. Como necessito me encasular diante de situações que não sei lidar. Que me colocam, totalmente, em posição de pura defesa. Fechada, protegida, sem fala, sem ação, prestes a entrar em estado de hibernação. Para me afastar daquilo que me incomoda. Ou que me proteja de situações que não sei lidar...
Hoje, me observei. Com se tivesse saído de mim mesma pra observar a mim e a minha volta. E fica a sensação de que não estou sendo autêntica comigo mesma. Que não estou sendo, totalmente, o que sou e estou vivendo uma vida que não é a minha. Cadê a Susi cheia de vida? O que tenho sido é alguém “alegre” palhaçona, que incomoda todo mundo, tira um sarrinho, que dá um toque animado, mas que tem que estar o tempo todo assim, da pele pra fora. Incomoda isso! Meus dias têm se resumido a uma vidinha urbana que já estou começando me estranhar. Tento ver pelo lado de estar me descobrindo nas minhas diversas facetas! Que tenho de passar por várias versões para me “achar”... Será?

Se for para um autoconhecimento e eu, de fato, ainda não saiba todas as minhas faces e almas, é válido. O problema é que sei de algumas faces que estão de lado, me fazem falta, desesperadamente!!!! Fico numa briga interminável de mim comigo mesma! O meio! O meio! Foque no meio! Seja a do meio! Chega de bater a cabeça nas paredes. Siga pelo meio do corredor – eu diria pra mim mesma! E como me faz falta... A Susi de olhos brilhantes, faiscantes, que sorri com a face toda, resplandesce, contagia, emana energia! Falta-me algo! Falta-me  a chama. A faísca do momento. A que acende aquilo que já vem de dentro... Pois abafo faíscas que desconheço, de medo de não saber por onde vai me levar...


E esta força tremenda do ciclo que puxa, puxa que me faz resistir e me enrolar. Vou tecendo pouco a pouco, num pouco que acelera e tonteia a cada volta e meia que dou em mim mesma. Fechando as entranhas. Vedando furos, vácuos, lacunas. Dentro é quentinho, e sou eu quem determino a minha hora de sair. Não me tire antes da hora! Posso não saber voar se não for a minha hora de abrir as asas...


Quem se importa? Preferiria não…

Interessantemente, nesta semana, assisti a dois espetáculos que se contrapõe. O primeiro, um filme-documentário tendo por protagonistas, diversos anônimos. O segundo, uma peça teatral encenada por Denise Stoklos. Contrapõem-se e respondem-se, uma a outra. Evocam a atitude passiva de ver, sem se importar, sem se posicionar, sem se ENVOLVER... A peça conta uma história de um personagem que caminha para a autodestruição. Pois que ser humano nenhum foi feito para definhar tanto ao ponto de não mais existir em vida. Viver maquinalmente, sem levantar sobrancelhas, sem alterar o compasso do coração, sem ATITUDE, amorna, abafa, desacelera qualquer coração. Preferiria não, é o hino de quem prefere (des) viver à margem, que pode até desempenhar algo muito bem que não lhe exija nada além de braços, ou pernas, mas totalmente desconectados da alma... Preferir não fazer nada além, não mudar a sintonia já conhecida e decorada, endurece músculos, nervos e estagna o sangue nas veias. É uma clara mensagem do que a apatia e a falta de paixão – leiam-se sonhos - fazem com uma vida. O filme é uma provocação. Resgata uma fala esquecida que retrata e incita a nossa pseudovida. Somos viventes, ou somos transeuntes? Importar-se é uma ação composta de SUJEITO e OBJETO. Não é um mero verbo a ser conjugado, mas uma atitude a ser tomada, uma fala a ser vivida. Esquecida no meio da parafernália ágil e veloz que se tornou a nossa vida. Que torna incoerente e contraditória a nossa práxis. É fielmente retratada numa das pequenas histórias contadas no filme que diz (mais ou menos) assim:
“Conta-se que um grande executivo esteve numa aldeia indígena e encantou-se com a destreza de um índio que executava, habilmente, o seu ofício. Diariamente, dirigia-se ao rio e por ali permanecia apenas o tempo suficiente para conseguir o alimento para aquele dia. O executivo assistia aturdido, pois via que no rio havia muito mais peixe. E que no ápice da pesca, o índio retirava-se do local perdendo o melhor momento. De certo, pensou, o índio não tinha a visão exata de que estava subestimando a potencial do rio e de sua habilidade. A produção não era explorada o suficiente. E teve a brilhante ideia de conversar com o índio. _ Índio, eu posso ensinar-lhe a tecer redes! _ E para quê? _ Para pescar mais! ¬_ E para quê? _ Pescando mais você pode vender o que sobrar. _ E para quê? _ Você poderá pagar pessoas para pescarem pra você! _E para quê? _ Para ganhar muito dinheiro! _E para quê ganhar muito dinheiro? _ Para não fazer nada! _E para quê? _ Não fazendo nada, você pode fazer muitas coisas, por exemplo, ir pescar...”
Então, eu pergunto: por que correr tanto? Aonde vai com tanta pressa? Aonde leva o teu caminhar? O que há neste pórtico de chegada, ao qual você tem tanta pressa de chegar? Hã? O filme deu-me uma chacoalhada daquelas! Só sai de lá do mesmo jeito que entrou quem já está em processo de “Preferiria não!”. A verdade, penso eu, é que todos têm aquela vontade latente de fazer algo, um bem ao outro. E deixam-se engolir pelo cotidiano, a rotina, a necessidade nossa de cada dia de sobrevivência, ou melhor, seria dizer, subvivência... Creio, que diariamente, injetamos anestésicos em nossas veias para sairmos por aí, em nosso trabalho, em nosso lazer e não nos sensibilizarmos com o que está a nossa volta. Ou, no muito, deixar passar logo aquela vontade de fazer algo. Sabe aquela piadinha do sedentário que diz que sempre que tem a vontade fazer algo, senta-se e espera a vontade passar rapidinho? Pois bem, é isso! De leve, somos conhecedores, sim, de tanta miséria, de tanta pobreza cultural, intelectual, de tanta injustiça, de violências físicas, morais, emocionais que acontecem dia após dia. Mas a nossa pressa nos dá o passaporte de “agora não!” e protelamos, adiamos a nossa boa ação imaginada... Assisti duas vezes seguidas ao filme! Queria sorver um pouco mais! Queria incrustar em mim aquela certeza toda, aquela convicção que convence de que somos, sou capaz de agir. Que não é preciso grandes coisas, pois é de pequenas coisas que as grandes são feitas! Que basta sair da tênue linha que separa a indignação da ação. Do “basta” para o fazer. Magistralmente, o filme borda e costura as várias histórias onde, diferente do mundo caracterizado pelo egocentrismo e estrelismo, aquele que age se faz coadjuvante e torna protagonista aquele que recebe a boa ação. Os holofotes são canhões de luz mirando o tsunami de ações desencadeadas por uma gota d’água em meio ao oceano. Não importa quem jogou a gota. Importa que a onda tenha se iniciado. Direitos autorais são desnecessários. Requerer direitos aprisionam as boas ideias. Despende-se energia ao que não importa. Quando a coisa começa a acontecer, o que menos importa é quem começou. Importa é que tenha começado! Importa é ver seres humanos beneficiados, resgatando a dignidade de suas vidas, ressuscitando em si a esperança de viver e não apenas subviver. A riqueza dos relatos me pede que, antes que eu me esqueça, registre algumas falas que soam como sinos em mim. Falas que, despretensiosamente, parecem ser as minhas! Metáforas perfeitas sobre as ideias, sobre a saúde, a alegria, o sentido de seguir. E que importa o que você faz na jornada e não chegar ao fim. Tudo converge a um ponto só. (Os relatos são postos na primeira pessoa para darem o tom de quem realizou estar falando, mas como gravei o filme apenas na memória, as falas não estão exatamente como no filme e peço que me perdoem se perderem a riqueza que possuem.)
IDÉIAS: Vejo as ideias como um paraquedas. Você tem junto de si, mas para usá-lo, tem de subir a uma grande altura. Lá de cima, se você o mantiver junto a si, inútil ele se torna. Quanto mais você segurá-lo para si mesmo, mais inútil ele será. Para ele cumprir sua função, você precisa abri-lo! E ao abri-lo, ele se expande, e te leva ao lugar certo, no tempo certo. As ideias que não são abertas, que são guardadas dentro de si mesmo têm apenas um destino, o mesmo da maioria: o cemitério!

SAÚDE E ALEGRIA: Inventei de ir até onde as pessoas nunca recebiam atendimento médico. Em meio a Amazônia, tudo é imensamente diferente e nada do que sabemos até então, parece fazer sentido ao que se vê. Cheguei lá com a inocente ideia de que ensinaria aquela comunidade a pescar. Sabe aquela ideia de não se dar o peixe, mas ensiná-los a pescar? Sim. Numa comunidade de pescadores, eu, um médico vindo de São Paulo querendo ensiná-los a pescar? Hum? Rapidinho, vi que o clichê não convinha e nunca mais usei dele... Basicamente, tive de reinventar a minha medicina. As práticas vividas de nada me serviriam ali, naquele local, sem as devidas adaptações. Não se tratava de chegar e dizer “Olha, estou aqui para aprender tudo com vocês!”, nem de dizer soberbamente, “Vocês tem que fazer isso e isso e mais isso outro!”. Tinha de haver um meio termo! Eram cerca de 150 pessoas para serem atendidas diariamente! Eu separava pra um lado os que tinham diarreia e para outro, os que tinham gripe e assim por diante. Utilizei-me de recursos de circo. Pois o que poderia curar suas enfermidades ia além das medicações que eu podia receitar! Eu precisava sensibilizá-los a se cuidarem. E precisava atingi-los amplamente. Não podia pensar em falar apenas ao corpo. A alma era um paciente que eu não podia ignorar... De médico, desvesti-me para compreender a vida deles. E para isso, apenas vivendo, de fato, esta vida. São vinte anos lá! E bem no começo, o prefeito me perguntou o nome do meu projeto, Pois eu ainda não havia inventado um nome para ele. E na hora, me veio “Saúde e alegria”. Na hora, não sabia ao certo porque este nome. Hoje, eu sei! Pois uma mulher, ao ser entrevistada explicou assim: Saúde é a alegria do corpo e alegria é a saúde da alma.

Banco de mini créditos na Índia: Professor universitário, tinha a vida do jeito que tanta gente projeta, busca e se alcançar, dá-se por satisfeito. Mas como ser humano, eu precisava ver o que EU podia fazer pelas pessoas. Saí a campo. Em meio à pobreza, constatei que a vida daquelas pessoas era, na verdade, de miseráveis, de desesperança, total falta de luz no túnel. Buscar soluções, até buscavam. Mas todas as portas lhes eram batidas na cara. Como pode alguém crer que sairá da miséria se ninguém mais crer? Constatei que todos eles acabavam se tornando escravos de agiotas que não tinham nenhuma pretensão de ajudá-los, mas sim de lhes tomar o pouco dinheiro que tinham. A proposta de quitação da dívida sempre era algo inconcebível que tonava interminável a dívida, a desesperança e a escravidão. Iniciei uma busca por créditos para eles. Os bancos se negavam. Tornei-me eu mesmo o fiador deles. Com regras simples para eles compreenderem, estabeleci a forma para eles saldarem suas dívidas. E todos eles pagaram de volta. Isto gerou uma repercussão tal que surgiram outros bancos, no modelo do meu, que viabilizava mini créditos. São pequenos sonhos que estas pessoas almejam, projetam, alcançam, dando-lhes sentido à vida! Ter alguém que acredita em você faz com que você mesmo volte a acreditar em si próprio.

População ecologicamente ativa – abaixo dos 18, acima dos 60: Estatisticamente falando, população ativa é a que abrange pessoas acima de 18 e abaixo de 60. Ecologicamente falando, este limite inexiste. E mais, há de se provar que a população tida como inativa é inversamente mais ativa, mais disposta, justamente por não ter em cima de si, o peso, a responsabilidade de estar “produzindo”... Projetei desenvolver atitudes positivas ao meio ambiente, focando a população “inativa”. Criar na criança a consciência de que dela depende outro ser vivo, embute-lhe a responsabilidade por “cuidar” de alguém. Indiretamente, desenvolve-lhe valores, sensibilidade, apego a detalhes da vida que a tornam um ser mais “vivo” e mais conectado à vida. Assistir ao milagre que toda geração de vida proporciona, gera diretamente na criança, a valorização da vida em todas as suas formas. A vida retrata-se a si mesmo nas diferentes nuances. Na esfera vegetal a diversidade é tanta e cada uma com sua cor, seu perfume, sua característica própria e não menos necessária que outra. Não há parâmetro que determine qual é a de maior valor. E parodiando o meio humano, as diferenças é que trazem beleza ao jardim. Diria que proporcionar esta experiência aos pequenos é educar para não deixar jamais a seiva lá de dentro, na alma secar. Regar um jardim faz a seiva correr... E não se embrutecer, nunca!

Saúde: Como médica no hospital, convivia diariamente com mães que sofriam acompanhando seus filhos quando estes adoeciam. Mas sofrimento maior elas tinham no momento da alta, pois temiam o retorno às suas casas por não saberem como lidar com os cuidados mínimos necessários dentro de um espaço onde chovia dentro, de pobreza extrema e falta de recursos. Comecei uma corrida louca de apagar incêndios. Isolados. Não resolvia. Uma chama era apagada e logo, outra nova, surgia. Meu envolvimento foi tal que passei a vender de dentro da minha própria casa o que houvesse para transformar em dinheiro e de dinheiro em tratamentos daqueles que não podiam pagar. Não resolvia. Veio, então, a ideia de criar um espaço onde as mães frequentariam e teriam um suporte nas cinco áreas básicas: saúde, educação, moradia, trabalho e gerenciamento de recursos próprios (economia). Através de uma conversa com os principais interessados, detectávamos suas reais necessidades e buscávamos encaminhá-los para capacitarem-se a buscar suas soluções. Um projeto de governo, sem governo, redigido e administrado pela sociedade civil.

Banco Palmas: A comunidade de Palmeiras surgiu no nordeste num movimento próprio de reerguer uma comunidade já designada a ser uma favela, invertendo o curso natural de se manter, aquilo que já é. Estes projetos de cortar pela raiz, dando um novo local, com cara nova a uma população me parecem (grifo meu) uma cirurgia bariátrica. Retira-se a roupa, mantêm-se o espírito. Retira-se um pedaço do corpo, não se muda o pensamento. Se não houver mudança da mente, o caminho é inevitável. Se o pensamento continuar a ser de gordo, o corpo entra em catarse. Reage e vários males podem surgir. A mudança precisa acontecer no motorzinho que propulsiona pensamentos, ações e sentimentos. O que ocorreu em Palmeiras foi a construção de uma nova comunidade, saída da favela para tornar-se o bairro Palmeiras. De roupa nova, ou casca nova, as pessoas não mudaram de fato e não conseguiram acompanhar a mudança que esta nova casa implicaria. Contas de água, contas e contas e salários provenientes das mais variadas fontes possíveis, lançadas fora dela. Recursos? Sim, havia! O grande problema é que sua aplicação não gerava renda à própria comunidade. Esbocei, então, uma figura usada para apresentar o problema. Um balde cheio de buracos. Jogamos lá dentro todo dinheiro recebido pela comunidade. Salários, pensões, aposentadorias... Mas tudo era gasto em grandes marcas que não contribuíam em nada à comunidade. Buscamos soluções e cada solução era posta como uma rolha para tapar os buracos do balde. Criamos uma moeda local. A palma. Era moeda de troca, forte, usada e recebida por cada tipo de serviço prestado, ou mercadoria vendida ali dentro. Foi uma avalanche de soluções! As pessoas se motivaram, a produzir produtos de limpeza, alimentícios, serviços. Nossa moeda foi sendo valorizada. E seu poder de compra e venda, proporcionalmente valorizado. A palma foi a primeira moeda não oficial autorizada no país. Impossível? Sim, seria. Se alguém não acreditasse uma primeira vez, a despeito de todos.

Kiva: Uma cena em minha infância me marcou e determinou o caminho que eu buscaria. Quando eu tinha apenas quatro anos, derrubei uma moeda de uma rúpia, o que significa centavos. Como havia caído na lama, minha mãe me falou para não me importar com ela e deixá-la pra lá! Então, assisti uma senhora de idade avançada, a quem veneramos e respeitamos abaixar-se numa busca totalmente desprovida de qualquer sinal de dignidade que ela poderia desejar ter. Vi o que a pobreza, a miséria é capaz de fazer com um ser humano. A consciência da existência desta fatia da sociedade sempre me incomodou. Então, um dia conseguir enxergar que, através da internet, poderia conectar estes dois mundos tão opostos, contrapostos. A ideia resume-se em aproximar pessoas que contam suas histórias, relatando seus sonhos e conectá-las a outras que, por sua vez, as leem e acreditam em suas histórias e, num voto de confiança, emprestam-lhes a quantia necessária para realizarem seus pequenos sonhos. Tendo de volta a quantia emprestada, depois. Num movimento de contramão, resgata-se o sentimento de “confiança no outro”, sem aquela lista imensa de garantia de que o outro é confiável. E por outro lado, pessoas anônimas resgatam dignidade por receberem crédito que vai além de um crédito financeiro, mas de um crédito de confiança em sua capacidade de realizarem e superarem o obstáculo que as impedem de seguirem adiante.

Empatia: Educar para a empatia. Acreditamos que ter empatia é algo que se não pode ser ensinado, pode ser contagiado! Algo viral que se colocado nos meios escolares, propicia que jovens e adolescentes possam por em prática o afeto, o cuidado pelo outro, mesmo que não tenham tido em seu convívio, sinalizações de afeto. Mães são convidadas para passar o dia com seus nenéns em sala de aula. Estar diante de serezinhos pequeninos que necessitam de cuidados, pois são totalmente dependentes de outro para suas necessidades mais básicas, que reagem espontaneamente às ações do grupo, que esboçam sorrisos, provoca uma reação natural de “querer cuidar”! Como pode um adolescente exteriorizar carinho, cuidado se não o recebeu, primeiramente, em casa?

Advogar em Camboja: Meus amigos diziam que eu estava louca. Tentavam arrumar emprego para mim, pois achavam que esta era a razão do que eu fazia. Desconheciam que a inquietude que eu sentia lá dentro não pararia se eu apenas seguisse por um caminho “normal” na advocacia. Eu sabia de histórias de ouvir falar. Mas quando comecei a ter contato com as pessoas dentro da prisão eu perguntava a elas “por que você está presa?” e eu comecei a ouvir as razões absurdas de manter um ser humano confinado e impedido de sua liberdade, causou-me um desconforto que só se aclamaria se eu conseguisse, de alguma forma, passar a fazer parte da SOLUÇÃO e não mais do problema daquelas pessoas. Eram mulheres presas no lugar de seus maridos, pois eles não haviam sido localizados... Crianças presas por pequenos furtos. Mães presas com seus bebês crescendo na prisão por terem roubado fraldas. Todas sem julgamento, sem terem usado o seu direito de terem um advogado. Iniciei, então, um projeto para combater isto. Quando o presidente americano disse que iriam à Lua, duvidaram dele. E foram! Diziam que era impossível acabar com o Apartheid, mas ele foi combatido e extinto! Pessoas iniciaram, outras se uniram e os impossíveis tornaram-se realidade. É por isso que eu acredito que na vida devemos ir além do possível. E que o que faz a pessoa é o que ela faz na jornada e não onde ela vai chegar.

Além de todos estes breves relatos que apenas dão uma pincelada no grandioso trabalho realizado por estes “anônimos” há muito mais. E em meio a esta infinita possibilidade que temos diante de nós, hoje, na velocidade que a internet propicia, no alcance que as redes sociais alcançam, há muito o quê fazer! Muita gente deseja, muita gente paralisa, achando que o que poderia fazer não fará diferença. Mas FAZ A DIFERENÇA! Todo trabalho realizado causador de impacto, começou pequeno. Era tido como utópico, mas aconteceu! Para qualquer caminhada, é preciso o primeiro passo. A grande diferença da ideia que pode causar TRANSFORMAÇÃO daquela que jaz no cemitério é a AÇÃO. Grandes ideias nascem e morrem sem terem existido, de fato, pois, presa dentro da mente de uma pessoa, emaranha-se no corpo, tal qual o paraquedas que ao invés de fazer viver, faz morrer mais rápido. Bem, estou desde as sessões a que assisti do filme “Quem se importa?” num misto de angústia, coceira, um buraco que pede pra ser preenchido.

Com quarenta e cinco anos hoje, tenho de concordar com um amigo meu que me disse despretensiosamente, mas numa sincera e até instigante frase, que “já vivi mais da metade da minha vida”. O contexto de sua fala era outro. Mas posto aqui nessa minha digestão-ruminação ruidosa e interminável penso que não há como prosseguir sem me posicionar. É como se eu já tivesse recebido todas as indicações possíveis, vindas das mais variadas fontes, delicados, chacoalhentos, silenciosos, barulhentos de que do jeito que estou, não dá mais pra ficar! E persisto numa lida inútil...

 INQUIETUDE! Esta é a palavra que melhor exprime como estou hoje! Como se, de repente, tivesse tido a certeza de que mesmo não sendo o melhor exemplo de pessoa aquietada, acomodada, morna, que mesmo que eu reconheça que vivo a custa de sonhos que, uma vez acontecidos, imediatamente me põem a busca de outros mais, minha vida tenha me desenhado um imenso ponto de interrogação diante de mim! Mostrando que estas realizações todas de coisas também boas, sim, continuam me conduzindo por um caminho sem volta, onde quanto mais se sonha, se faz e se busca, se o realizado não retratar um algo mais pelo “outro”, nada tem sentido! Há muita gente a nossa volta, próximos, ou bem longe carentes de um pequeno gesto de atenção, de solução! Viver apenas a minha vidinha torna-me medíocre, se eu ignorar a imensidão de coisas alcançáveis pela coragem de reagir e agir. Como a fala diária com o lobo mau e o lobo bom, dentro de mim, que determina quem ganhará a briga. Como a atitude de fazer algo de bom a cada dia. Apenas para não perder a prática de mirar e ir. Quem se importa? Importa começar e se importar..