sábado, 10 de junho de 2017

Dedinho de prosa...



Tem as conversas de cachorro. Que já contei. Aquela que começa com:
-Qual o nome dele?
E que passei a começar por:
-Qual o seu nome?
Pra depois perguntar o do cachorro.

E tem a conversa de abacate.
Explico.

Nas minhas andadas matinais falando “bom dia”, passo costumeiramente por uns pés de abacate. Lógico. Cato alguns. Aqueles que de maduros caem do pé, no ponto de se comer! Moro nas proximidades de um pomar a céu aberto e sem cerca. Pitanga, acerola, goiaba, amora e abacate, como sempre que quiser do pé!!!

Estou lá eu, com o Tufo (meu cãozinho) no meu ladinho, olhando pra cima. Pros abacates lá em cima. Como se esperando algum maduro, grandão cair bem naquela hora pra eu pegar.
Para do meu lado e começa olhar pra cima, uma senhora.

-Bom dia!

Tímida, responde:

-Bom dia…
-A senhora gosta de abacate?
-Nossa… gosto muito! Mas não dá pra apanhar, né? É muito alto…

Apontando uns dois caídos no chão eu falo:

-Tem dois ali caídos. A senhora quer que eu pegue pra senhora? Às vezes tem um machucadinho. Dá uma rachadinha quando caem. Mas se tiverem caído recente, estão bons. Eu sempre pego!
-Mas você não vai pegar pra você?
-Não! Eu tenho em casa. Eu pego pra senhora!!!

Feliz da vida, ela fica me olhando descer a ribanceira. Fica até bisbilhotando se tem mais abacate caído. Gostou da brincadeira de caçar abacate no chão. Acho dois. Só. Volto e ponho num saquinho e dou pra ela.

Nós duas voltamos a olhar pra cima como se pedindo pra cair mais algum. E… Cai!!!! Um bem grandão! Feito criança, felizona da vida ela comemora. Vou que nem cabrita, pulando de volta pro barranco pra pegar.

Ela insiste. Gostou mesmo da brincadeira. Fica caçando nos galhos baixos, algum que a gente consiga alcançar. E não é que a danadinha acha? Não exatamente alcançável. Mas a gente dá um jeito. Trabalho em equipe! Eu meio aleijadinha ainda do ombro, sem conseguir esticá-lo, me estico inteira e puxo o galho. Ela se estica toda, na ponta do pé, puxa, puxa, puxa até que “crec” apanha o abacate.

Era só o início da prosa…

Ela me conta que mudou-se pra redondeza há duas semanas. Que não conhece ninguém ainda, fora o porteiro de prédio. Que morou muitos anod no centro velho. Num prédio numa região central onde ele conhecia tudo e todos. Desde a mocinha do mercado da esquina, o povo da padaria, os vizinhos, os passantes que moram ou trabalham na região.

Lá, na nova casa, não conhece ninguém ainda. Sente-se sozinha. Estava se sentindo muito deprimida naquele dia e como se dando um salto pra pular fora deste”escuro que engole” resolveu ir dar uma volta. E topou com o pé de abacate carregado… E eu ali embaixo olhando pra ele!

Conversamos de tantas coisas… Eu tagarela falei um bocado. Mas o mais gostoso foi ouvi-la falar… Quando finalmente nos apresentamos, nome e nome, eu contei a velha história do meu nome pra ela não esquecer. Não precisava! O meu nome era o mesmo de uma velha amiga, feito irmã mais velha, quase mãe, que cuidou dela quando pequena. Ela até se emocionou… Pela lembrança. Pela coincidência. Ela realmente precisava de um bom dia, duma prosa, de um aconchego, de se sentir conectada a alguém.

Costumo dizer que nestes “bons dias”, a gente cruza com muita gente que vive na solidão. Que, talvez, a gente seja a única pessoa que ela converse, exceto o porteiro do prédio, se morar em apartamento. Às vezes, a única voz que lhe dirige a palavra, que lhe empreste o ouvido pra contar lá aquelas suas velhas histórias. As de sempre. As tão gastas pelo tempo. Mas as suas vividas e que lhe fazem lembranças, sorrisos e até lágrimas de saudade…

Outro dia, no mercadinho da esquina de casa, eu a reconheci passando por mim!

-Dona Marina!!!!

Ela olhou assustada, abriu um sorrisão e falou pra menininha ao seu lado, sua netinha:

-Esta é a moça que falei pra sua mãe que eu conheci outro dia!!!

Me deu um abraço - e que abraço gostoso!!!! - confirmou que recebeu os abacates que deixei na portaria de seu prédio um outro dia e falou de novo como tinha ficado feliz de me conhecer e de conversarmos...

Dona Marina não fui eu que lhe dei atenção naquele dia. Fui eu que recebi. Recebi o presente de mais uma amiga. O café que combinamos ainda está no “qualquer dia…” Mas sempre que passo no abacateiro, dou um jeito e acho algum e levo pra ela. Deixo na portaria e deixo um bilhete.

Na maioria das vezes, quando a gente acha que está fazendo algo por alguém, a gente vê que se engana. São eles que nos presenteiam com um sorriso ou um abraço tão sincero que a gente fica o resto do dia leve, flutuando, com um sorrisão estampado no rosto...

3 comentários:

  1. "Adoro ler seus textos, tento fazer os comentários mas sou ruim em tecnologia , meu celular e o wifi daqui não colaboram comigo�� após as leituras, me pego a pensar...a conversa de abacate por exemplo, me trouxe lembranças do meu dia a dia....sempre morei em casa e nunca tive amigos no bairro ou pessoas p conversar e assim fui moldando uma solidão de vizinhos. Qdo mudei p o Edf Centro Comercial , um prédio antigo, histórico, e c personagens q são os moradores , em grande parte tbem antigos rsss passamos , minha mãe e eu, a viver e ver coisas q nunca tínhamos visto....logo q mudamos um acidente na rua fez c q acabasse a luz do quadrilátero central...a vizinha de andar bateu na porta oferecendo uma vela caso demorasse p voltar a luz e anoitecesse, aquele gesto me emocionou, ninguém nunca tinha se preocupado c a gente��minha mãe ainda é tímida qto as conversa c os moradores, mas eu conheço qse todos rsss , é só falar a moça dos cachorrinhos pretos pronto , sabem q sou eu ... esse bom dia todos os dias, o perguntar a senhora está bem? Qtos dias não vejo o senhor? Um sorriso faz muita diferença...esses dias uma vizinha do outro bloco me interfonou perguntando se eu gosto de abacates, amooo abacates, e foi em casa dividir o abacate q era muito grande p ela sozinha...atitudes q eu nunca vivi, olha q sou cigana em relação a moradias rsss.....amoooo seus textos ������������"
    Silvana Cristina

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    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    2. Me emociona ver o quanto uma pequena história contada, remete a lembrança de tantas vividas!!!
      Exatamente isto! Por você morar num prédio com esta característica de morarem pessoas que não perderam o bom hábito do bom dia e de genuinamente se preocuparem com o bem do outro, se sente cuidada, querida, ajudada e pode ajudar também! Vi isso com meus próprios olhos quando nos reencontramos! A vizinha sua parou e ficou ali conversando... Quantos de nós fazem isso ainda? Jogar conversa fora a despeito da pressa que nos engole???

      Adorei a prosa aqui contigo Silvana!!!

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