Vamos conversar?

Vamos conversar?

sábado, 9 de setembro de 2017

O avesso de mim


Quando aquieto, penso nas tantas fases, marés, revezes. São idas e vindas. Paradas. E tudo compõe a trama e o avesso de mim.

Engana-se quem pensa que no avesso, encontrará o meu contrário. Na verdade, o avesso é quem contém tudo o que preciso costurar, emendar, ligar fios e cores pra compor o meu “lá fora”! Do meu avesso dependo pra mostrar apenas o que quero mostrar. No meu avesso, escondo meus nós. É onde trabalho intensamente para que esteja perfeito o que eu tenha a oferecer de mim.


Meu avesso é onde eu realmente estou por inteiro. E se nele eu me esmerar em fazê-lo com tal zelo, sabem bem as bordadeiras, exceto pelos nós das emendas, é cópia do lado de fora. Não será um desenho feio, sem forma. Mas o esboço que permite ver o que virá para fora.

O avesso de mim sou eu sem cortes. 

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Muda o disco


Sou do tempo que ouvir música era de rádio AM. Ou de vitrola, ou radiola. É lá em casa, havia um móvel muito chic para a época, onde via meus pais colocarem discos de vinil para ouvir. E pude ouvir historinhas em disquinhos, também.
Quando o disco por algum descuido riscava, a agulha de tocar não conseguia mudar a volta. E tocava repetidas vezes o mesmo trecho. E quando se gostava muito de uma música só, ficava se colocando a mesma música toda hora. E diziam que ia furar o disco de tanto repetir.

Coisas daqueles tempos.

Tenho de me policiar. Porque cheguei ao ponto de me falar, a mim mesma:
  • Muda o disco!
A gente, se não se cuidar, gera uma repetição de assunto chato. Papo repetitivo. Disco riscado. Aí, é preciso perceber e decidir mudar o disco.

Problemas, todo mundo passa. Mas deixar que eles sejam o principal assunto das suas conversas, vamos combinar… Uma falta de assunto enorme. Chover no molhado. Parecer galinha da’angola que só sabe repetir “tôfraco-tôfraco-tôfraco-tôfraco…”

Eu já tinha a percepção. Mas quando via, lá estava eu, de noooovo, respondendo a um educado “tudo bem?” com a minha conversa fiada. Repetitiva e chata. De “coitada de mim”... Sério mesmo? Sério. Lamuriar dores, males passados, os destemperos da vida. E aí, o monstro só cresce. Infla e multiplica de tamanho. De tanto ser lembrado e falado, ganha uma importância que não tem. Bom mesmo é dar importância ao que tem importância! Lembrar e falar aos outros de coisas boas. Uma coisa puxa a outra. E ao invés de contar pela quinquagésima vez o que de ruim lhe aconteceu, conte tantas coisas boas que lhe aconteceram. Há muitas! É só afiar os olhos pra enxergar…

Ademais, você já deve ter cruzado nos seus bons dias com aquele tipo de pessoa que para responder a um bom dia, grunhe. Não dá um sorriso. Ou conversa apenas lamúrias…

Então. Eu percebi que nestes dias, este alguém era eu! E decidi mudar o disco.

Os problemas acabaram? Não.
Injustiças, fofocas, provações e privações?
Sempre existirão. Mas elas só ganham espaço e tamanho se a gente permitir.

Se nós mesmos agirmos como disco riscado que não muda a fala, a música, a cabeça da gente se enche da mesma frase e passa a repetir feito papagaio. E achando que só isso que existe.

O disco tem muito mais. Outras músicas. E tem até o outro lado pra tocar. Se for um vinil. A vida também. Mudar o disco riscado , uma necessidade. Senão, a máquina de tocar pifa.
Ninguém aguenta a mesma música rodando repetida sem parar. Se o disco não estiver bom, liga o rádio! 

sábado, 2 de setembro de 2017

No fundo, no fundo…


Porque lá no fundo, no fundinho você sabe o que há, o que quer, o que acredita, o que quer fazer…

Um oceano. Profundo. Que quanto mais você mergulha, mais se distancia da luz, mais escuro fica, te tirando a visibilidade do que há. Mas está tudo lá!

Gavetas. Socadas de objetos, papéis, cacarecos. Que acabam obedecendo uma ordem desordenada, mas lógica na cronologia de terem sido atiradas lá dentro. Você espia, timidamente, não vê, mas sabe que está lá!

Arquivos. Mil. De documentos, de fotos. Você lembra vagamente, alguma palavra, o assunto, a época em que foi feito. Porque foi feito. Então, sabe que está lá!

A gente trilha caminhos, semeia palavras e sorrisos, faz trocas, de conversas, de histórias, recebe água e alimento na forma do vivido. Retém o que faz bem. Elimina o que não acrescenta. E segue.

E lá dentro, vão se acumulando o que vai formando o alicerce de nós mesmos. Vem do berço. Arrisca passos fora. Se escancara, retorna, se recolhe. Amadurece. Às vezes, murcha. Desacredita poder continuar. Hiberna. Mas é um recolhimento natural para poupar energia. Como casulo. Que esconde num ovo, para transformar a forma disforme e desatraente que lá entrou. Para no silêncio, na surdina, no recolhimento, sofrer todas as transformações necessárias para, no momento certo, por uma frestinha de nada, iniciar a sua reestreia surpreendente.


Porque no fundo, no fundo de sua essência, nasceu borboleta, ainda que fosse vista como lagarta. E, no fundo, no fundo, cada um sabe como nasceu. O que lhe diz a alma. O que esconde no profundo de seu oceano. O que guardou na gaveta. O que suas memórias se recordam terem fotografado, ou escrito. E não há nada que abafe isso. Mesmo sem ser visto, está lá.

É a discordância ilógica entre o que se é e o que se faz que coflitua a nossa alma. Gera tristeza e frustra. Atrofia asas que foram feitas pra voar. Voos rasos ou longínquos. Não importa o tamanho do sonho. Mesmo porque sonhos não tem tamanho. Tem essência. Importa mesmo é reconhecê-los e buscá-los!


É preciso ousar e ser sincero. Escancaradamente humilde e sincero para, num certo ponto da vida, reconhecer os erros, os descaminhos, decisões mal tomadas e retomar a rédea da vida. E parar de ignorar o que existe lá no fundo, no fundo de si mesmo…

Fotos da galeria de Tales of Light - série da Netflix

Tá logo ali!


Tá logo ali. Só atravessar a porta e ir. Não precisa ser muito longe nem só um pouco longe. Pode ser no quarteirão ao lado, em volta da tua casa, a uma quadra, ou duas, um pouco mais. Pode ser que você chegue andando. Ou de bike. De carro. De transporte. Mas é preciso atravessar a porta.

Toda vez que chego lá fora e sinto o vento levantar meus cabelos, me lavando a face e a alma, me renovo. É um quê que tenho com o vento. Deve ser por ele ser invisível e ser tão presente. Por ser capaz de me causar a sensação de levar embora. Algo cá dentro que precisa ir, ao mesmo tempo que me traz bons ventos. A boa sensação de coisas boas chegando. Traz-me a sensação, também, de lavar a alma. Como aquele desenho de redemoinho movimentando as folhas secas no chão, como se bailassem, sem fim. Fazendo uma faxina lá dentro de mim. Girando, girando e levando.

O vento consegue provocar um movimento em mim que se alterna de manso e delicado, até um vendaval de emoções. Traz recordações. Leva o que me pesa. E me leva junto a flutuar num passeio inocente, inconsequente, despretensioso, por fim.

Toda e cada vez que venço a inércia de ficar parada e quieta dentro de paredes e venho cá fora, não entendo como não venho antes, venho mais cedo, venho mais vezes.
É de graça. É logo ali, de casa. Um “lá fora” que tem em todo lugar. Basta ir.
Um espaço verde com árvores, sol se quiser, sombra se quiser, espaço pra andar, brincar e ficar à toa, de cara pro vento.
Nesta hora, compreendo, tão importante que é ter as pernas e braços amarrados, vez ou outra, pra ser obrigada a parar. Nestas paradas, sem pressa de ir, sem pressa de passar e chegar, sem ter o tempo todo preenchido por coisas a fazer, aprendo o desapressar do tempo. Quando ele mais rico se mostra. Simples e somente porque pego a pressadotododia, a pressadavidatoda e prendo ela em casa e saio sozinha. De cara lavada. Sem olhar a hora. Olho o relógio do sol. Olho que o céu está azul. Olho que o vento passa brincando e mexendo as árvores e ele me ensina uma lição final neste dia.


O vento não precisa ser visto pra existir. Mas é inegável que exista, por ser visto pelo que provoca por onde passa. A sua existência não é vista. É sentida. E é o que ele faz pelo caminho que não deixa dúvida de estar bem aqui.

O que tá logo ali?
Pode ser que seja só o vento. Pode ser que seja o tempo. Aquele que você não sabia quando chegaria. Pode ser que seja uma brisa que te traz, ou o redemoinho que te desfaz. Pra se fazer de novo! Pode ser que seja a oportunidade que está ali fora te esperando, já cansada de esperar você que nunca sai!!! Pode ser que seja a nova conversa com nova pessoa. Pode ser que seja a velha conversa que nunca teve fim. Ou pode ser que seja o caminho do qual você saiu pra descansar um pouco. Ou seja a bifurcação que vai te dar a opção de escolher pra onde vai seguir.

É preciso atravessar a porta. Ir. Porque somos nós mesmos que trancamos a porta. Portas que nos tiram a vista de tantas coisas simples, corriqueiras, ao nosso alcance, que nos permitem beber de felicidade em doses pequenas que não jorram demais, nem se esgotam depressa demais. São coisas muito simples e que reabastecem a gente de energia. Sair e sentir o sol, o vento, o frescor da sombra, mexer o esqueleto de leve, tomar posse da vida. Talvez, o primeiro passo a se dar para ser grato por ela.


Destrancar a porta que te prende num mundo onde você se esconde e se priva de viver.