Vamos conversar?

Vamos conversar?

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

No passo de tartaruga


Saio todo dia com meu cãozinho. Duas ou até três vezes por dia. Antes que alguém suponha ser um saco, uma obrigação chata, já que ele só faz xixi e o “2” lá fora e que por isso depende de mim pra sair e aliviar suas necessidades básicas, já vou dizendo: é ele quem me presta um grande favor. Pois me faz sair do sofá e ir ver o dia lá fora! O lago, a pracinha, as ruas nos arredores de casa, próximo a mata e ir conversando com quem apareça no caminho.


Para quem vivia no meio da muvuca, rodeada de gente, na tribo da corrida, na tribo do pedal e por aí afora, não parece ser possível que eu esteja falando da mesma pessoa. De mim mesma. Mas estou. Ao ser obrigada, uma vez mais, a sair deste meio elétrico, incessante, que não pára nunca, fico  feito peixe fora d'água! (Ou seria, feito tartaruga fora d'água???) Perco o rumo. A identidade. A vontade de sair. E, creiam ou não, atolei no sofá, feito gente sedentária que só sai pra trabalhar. Mudei de lado. Saí da banda de lá, a que pertenço, de gente acelerada que não pára por nada, para experimentar à contragosto, a difícil sensação da inércia. E, pasme! Ela toma conta!

Existe, sim, a vontade. Desespero por voltar à ativa. E existe esta apatia. Mais fruto de bloqueios psicológicos do que da tantas limitações físicas que me acompanham há quase trinta anos.

É o seguinte: limitação física a gente vence. A gente dribla, treina, vai vencendo obstáculo por obstáculo. E cada degrau vai ficando menor e menor e ficando pra trás.

A cabeça quando não está boa, paralisa. Permite que na discussão dos dois lobos (o lobo mau e o lobo bom) o lobo mau ganhe. E te convença que você não é capaz. E o sofá cria cola e você entra em casa e não sai por nada…


Aí, entra em cena o meu cãozinho. Por ele, eu saio. Religiosamente, todo dia, até debaixo de chuva! Eu cuido dele e ele, sem saber, cuida de mim.


Neste tempo meu (again!) de recolhimento, é ele quem me faz sair de casa por ele. Umas caminhadas de meia hora, às vezes uma, duas, até três horas, com as devidas paradinhas nas sombras de árvores, nos bancos de praça, no gramado no caminho, pra não fazer, absolutamente, nada!

São estes passeios inocentes que me tiram a teia de aranha das pernas que já correram tanto, já pedalaram tanto, não perderam a esperança de voltar, mas só não conseguem encontrar ânimo. Por enquanto. Então, quando o passeio com ele é abreviado e voltamos rápido para casa, lá vem ele pelo caminho, no seu passo de tartaruga… Conhece? P…. A…. S….S….O…. D….E…. T….A….R….T….A….R…..U….G….A… Aquele que demoooooooooooooora pra chegar aonde quer que vá…..


Imagina…

Vem parando, mais do que já pára normalmente. Cheirando tudo no caminho e, de verdade, diminuindo até o tamainho dos seus passos! Quase um slow motion!...


Me divirto. Não dá nem pra ficar brava com ele. Dizem, cachorro é igual ao dono. Sei bem o que é fazer slow motion quando não se quer que algo acabe! Tipo, final de viagem, final de férias, final de algo que não se quer o fim. O Tufo (este é o nome do meu cãozinho!) sabe bem o que quer…

Bem, quem sabe esta tartaruguice toda que ando vivendo, seja o presságio de um tempo que signifique estar no melhor tempo, daonde não se quer sair… Afinal, tartaruga quando está dentro d'água, voooooooaaaaa...



domingo, 26 de novembro de 2017

Quero de volta o primeiro olhar!


Outro dia, chegando num salão, deparei-me com uma mulher que contava, entusiasmadanente, sobre o lugar onde estivera. Descrevia com tais detalhes, exprimindo de tal forma as suas sensações ao chegar e estar neste lugar que eu, embora pegando a conversa na metade, conseguia me ver neste lugar também. Dizia que a exuberância do lugar era tanta, a imensidão a fazia se sentir um pontinho minúsculo naquele lugar que só restou sentar, aquietar e sentir profundamente esta sensação de pequenez.
Qual não foi a minha surpresa, quando ela, prosseguindo o seu falar sobre seu encantamento por este lugar, foi passando as coordenadas de como chegar, onde ficar e, ao falar o nome da cidade, era um lugar conhecido de longa data por mim.

Resisti à vontade de palpitar sobre o lugar, ou querer mostrar que eu também conhecia. Ou que eu conhecia bem melhor do que ela que tinha ido uma única vez. Enquanto eu já havia perdido a conta das dezenas de vezes que havia estado lá em duas décadas, desde que havia pisado lá pela primeira vez.

Foi a melhor coisa que fiz!

Não há nada que supere o encantamento de quem esteve pela primeira vez num lugar. A descrição que ela fazia o tornava tão exuberante e continha algo que eu, naquela minha experiência de longa data, de tantas visitas, havia perdido. Quem visita pela primeira vez um lugar, deslumbra-se! Acende um brilho nos olhos que ofusca qualquer riqueza de detalhes permitido por quem vai repetidas vezes, sem renovar o seu olhar! O problema não é continuar indo neste lugar tão lindo. O problema é envelhecer o olhar…

Tchibum. Banho de água fria. Gelada. Quando a quantidade de olhares rouba a capacidade do encantamento de quem vê pela primeira vez, não adianta trocar o lugar. É preciso trocar o olhar! É preciso buscar lá dentro a peraltice de criança que não pára nunca de descobrir o mundo. Mesmo que os caminhos passem pelos mesmos lugares. Porque é o olhar que faz o lugar…

Talvez a riqueza da vida não esteja em buscar, incansavelmente lugares e estares diferentes. Mas em saber ter olhos que se encantem como se a cada vez fosse a primeira vez!


sábado, 18 de novembro de 2017

A máquina de escrever



A minha geração conhece a máquina de escrever. A geração de hoje, não.
A máquina de escrever a vida, tal qual como a velha máquina de datilografia, das aulas de I.T.T. para quem teve… Iniciação às Técnicas de Trabalho. Uma disciplina que fazia parte do currículo da 5ª série, que se alternava com Laboratório! E que em outras escolas variavam em aulas de Culinária, Costura, conforme o currículo próprio de cada escola.

Vou explicar.

Você pegava uma folha em branco, colocava a ponta do papel por detrás de um rolo e, rolando, manualmente, o papel entrava para o outro lado do rolo onde as teclas das letras alcançavam. Para serem impressas no papel através da batida da tecla, ao mesmo tempo em que a fita da máquina se movia junto da tecla e tocavam juntas no papel. Ah! A fita da máquina continha a tinta com o qual a letra, uma a uma, era “carimbada” no papel.



Isso.

Complicado? Vagaroso. Extremamente vagaroso para a velocidade com que as coisas são escritas e feitas hoje em dia.

Tem mais!

Você escrevia e quando errava… Papel escrito não se apaga com um toque. A tinta fica lá. Borracha, marcava o papel, borrava. Existiam até dois tipos de borracha. A rosa e a azul. A azul era para tinta. Era mais áspera. Feria o papel e com isso, arrancava a tinta. Mas marcava! E, às vezes, rasgava.

Com a tecnologia da época, evoluiu-se para uns corretivos. Bisavôs do Errorex… Eram tiras de papel pequeno que a gente colocava bem em cima do erro. Voltava o carinho da máquina para parar bem em cima da letra batida errada e batia de novo, com o papel corretivo sobre o papel, de modo que a fita da máquina não fosse junto e apenas a tecla batesse bem em cima. Para o “branquinho” cobrir o erro. Ah! Havia um recurso na máquina para estes casos. Uma tecla especial que fazia a fita não subir junto com a tecla para poder consertar o erro! Alta tecnologia da época!

Sim! Erros eram corrigidos um a um. Era trabalhoso. Extremamente trabalhoso terminar de datilografar uma folha de sulfite sem erro. Ou, no mínimo, com os erros devidamente corrigidos neste processo moderníssimo de apagar letra por letra batida errada.

Entro no assunto.

Será mera coincidência com a vida? A velocidade era outra. Os cuidados para se compor uma página de papel, ou da vida, eram artesanais. Um a um. E os erros eram tão cuidadosamente evitados, pois tinha-se muito trabalho para se corrigir, que não havia pressa. Mesmo que a pressa existisse. Os erros não eram deletados facilmente com um toque. O que se escrevia, ficava. Mesmo apagado, ficava a marca. Era perceptível quando havia acontecido um erro. Pra deixar a página perfeita, só se arrancasse a folha e começasse tudo de novo. Correndo o risco de errar de novo. E de novo. E de novo.



Hoje, veja só! Deslizo os dedos rapidamente sobre a tela do meu smartphone e quase que escrevo na velocidade dos meus pensamentos! Quanta evolução desde a tecla da máquina de escrever, teclado de computador, teclado de celular, touch e swipe, fora outras técnicas de se escrever com o comando da voz em que o aparelho ouve, de codifica e recodifica para a escrita debaixo do seu nariz, na tela do seu aparelho, I-ME-DI-A-TA-MEN-TE! Dá pra crer? E o detalhe: erros são apagados imediatamente! Num simples toque. E se deixar, o aparelho adivinha o que você quer escrever te dando sugestões de palavras dentro das que frequentemente você usa, pois ele tem uma memória e armazena o seu vocabulário habitual…

Pois bem. O que quero dizer com isso?

As pessoas estão perdendo a noção de que suas palavras, atitudes, tudo que fazem são tinta no papel dos outros. O mundo virtual pode até possuir a tecla delete. O backspace para apagar rapidamente, imediatamente as bobagens que escreveu. Ou erros. Tudo é deletável nesta tela. Tudo é escrito rápido demais. Enviado rápido demais, sem papel, sem o tempo de revisar se está tudo certo mesmo. Ortografia? Mais que isso. O conteúdo. Palavras são lançadas ao vento, como se com um simples delete, fossem sumir. E, muitas vezes a repercussão, os efeitos que causam são tão danosos que destroem páginas e páginas escritas. As vezes livros inteiros. Veja bem. Entendam como páginas, áreas, momentos de vida das pessoas. E por livros, a vida inteira de alguém!




A geração DELETE e BACKSPACE não conhece a máquina de escrever. Deveria conhecer! Pois a vida real acontece como ela. Cada página escrita é às custas de atenção a cada letra. Para não haver erros. Não é tão rígida assim que não se permita consertar os erros! Mas deixa claro que erros, deixam marcas que todos podem ver. Algumas vezes, é possível substituir uma folha com erros por outra. E começar tudo de novo que foi escrito naquela página. Como um trabalho. Um casamento. Uma faculdade não concluída. Amigos que passam e se vão. Quando você coloca nova folha, fica mais atento a não cometer os mesmo erros. Embora eles não apareçam nesta nova folha de papel, você os tem dentro da sua memória. E com eles, aprendeu. E procura na nova folha, fazer melhor!


A tecnologia conserta muita coisa. Mas ainda não inventaram uma máquina de apagar os erros da vida. É na máquina de escrever que se escreve a vida… 

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Curta a paz!


Estas fotos de pezinhos, típicas de encenarem paisagens pitorescas, em férias, em lugares sugestivos de sossego, paz parecem sempre estar a quilômetros luz de distância.

Ou não!

Podem estar no fundo do seu quintal. Bem ali, diante do seu nariz!


Quem não vive na correria?
E quem é que sai do meio da correria, por livre e espontânea vontade?

Eu não!

Eu sempre estou sendo guinchada do meio do meu corre-corre à força. Esperneio. Me rebelo. Mas não tem jeito!

Foram várias as ocasiões em que me puseram no banco. Fora de cena. Daquela que eu achava ser protagonista.. Muito bem encaixada e feliz. Aí, a vida prega peças e me vejo nos intervalos. Crente que a cena principal é aquela. Onde eu nunca paro. E sempre estou ativa, alucinada, fazendoendoendoendo…


Descobri que intervalos não são, de fato, intervalos. Não são tempos coadjuvantes ao outro. Que não param. Intervalos são senhores do seu próprio tempo, espaço e porquês. Eles ensinam na sua paciencitude. Na sua lentidão. Na sua ausência de tantas coisas a serem feitas. No anonimato. E na ausência total de vaidade e acontecimentos.

A todo intervalo, eu aguardava ansiosamente o fim dele. Pra voltar à ativa. Ao meu mundo. Ao meu centro. Ao tudo de importante para mim. Então, a gente percebe que isto que a gente considera tão importante, não tem esta fidelidade recíproca com a gente. Porque ele prossegue sem a gente. Com ou sem a gente, este mundo brilhante continua. A gente é só um pontinho em meio a milhares de outros. Então, a gente para, verdadeiramente, para pensar…

O riso espelhado pra fora nas tantas fotos, tem de espelhar o lá dentro. A alegria só permanece se for genuína! E o silêncio pode falar muito mais que o som estridente que não se cala nunca cá fora…

É exatamente o estar sempre fora do tempo. A ideia de nunca estar feliz porque o estar feliz está sempre no passado ou no futuro. E não conseguir enxergar o que se tem ao lado. Não saber apreciar o que a vida oferece no agora.


Intervalos são caminhos genuínos. Que mais do que levar aonde se pensa querer chegar, ou voltar, são mundos à parte com seus próprios encantamentos e ensinamentos. 

domingo, 12 de novembro de 2017

As palavras que eu não disse


Ontem, nos últimos minutos do dia, escrevi sobre minha mãe. Era aniversário do descanso dela. Ia escrevendo, pegando no sono e dormi com o texto sem terminar. Dormi e sonhei com meu pai. Nitidamente. Daqueles sonhos que, ao acordar, se lembra perfeitamente o que se sonhou.

Minha mãe estava junto. Mas a minha conversa era com meu pai.

Eu olhei pra ele, daquele jeitinho que ele sempre foi. Magrinho, com seus óculos, com sua camisa polo listrada de tons de azul e verde. Cheguei bem pertinho dele, abracei e falei. As palavras que nunca disse a ele…

Que as melhores lembranças que tenho dele são as viagens que ele fazia com a gente. Pequenas e gigantes aos nossos olhos de criança. Idas ao Rio Tibagi pescar. Lá longe na praia que era privilégio de poucos. A estrada como um gosto que significava prazer. Estar com pessoas importantes. Dentro do carro. E na chegada. Que viajar foi a melhor herança que ele me deixou. E que quando eu fazia isso, me sentia um pouco mais próxima dele. Como se ele estivesse comigo ainda…


Nunca cheguei a dizer isso a ele. Ele morreu muito cedo. Quando eu nem tinha coragem de pegar estrada. Na verdade, foi a morte dele que mexeu comigo ao ponto de eu acordar. Que a vida estava além do alcance dos meus olhos ao meu redor. E que o mínimo que eu devia fazer era ir um tiquinho além.

Creio que alguns tipos de amores vão além! Assim como esta estrada que  ele me mostrou ser infinita, a quem assim o quiser, seu amor ultrapassa o tempo e esta linha que determina a divisão do acontecido e o fim. Pois embora não esteja mais comigo, está! A cada vez que saio da linha de conforto e busco a estrada. O horizonte. O desconhecido sem me deixar intimidar. É como se ele estivesse comigo, sentado ao lado, curtindo a viagem junto.


Depois que ele morreu já há dezoito anos, prestei mais atenção na minha mãe. Falei coisas que me arrependeria se não falasse.

Quanto ao meu pai? Acho que este sonho de hoje foi uma espécie de segunda chance. Falei o que nunca disse e gostaria muito de lhe falar. Assim como a morte, o coma, o sonho entra numa dimensão misteriosa onde cada um tem sua opinião. Sua crença. E a comunicação entre as partes, cada uma do seu lado, pode significar aquilo que se leva pelo caminho.

P.S. Ele ficaria todo eufórico em saber que fui até o fim do mundo… Atravessei o oceano! Cortei a América do Sul e que a estrada me chama…







Que falta ela me faz!


11/11 Dia que Dona Estela disse adeus. Foi descansar. Não acho que tenha desistido de viver. Apenas estava fraca demais pra continuar e se deixou ir pra descansar.

Datas são fatídicas. Quando algo acontece numa data, ela se veste pra sempre com um nome, um cheiro, uma roupagem. 11/11 guarda o niver de três pessoas da minha vida. Três Erres. Rose, Rosana, Rogério. E há nove anos atrás passou a ser o dia do descanso da minha mãe. E que falta eu sinto dela no meu profundo egoísmo de querer ter ela ainda comigo!!!

Ela vinha sofrendo tanto ao longo de dois anos, que eu no alto da minha maturidade de filha que ama e entende que há um tempo para cada um e que existe o tempo de deixar ir, fui lá do ladinho dela conversar. Bem juntinho… Seus olhos falavam sem a voz falar. Olhos sofridos mas que me sorriam sem sorrir. Era uma conexão muda. Desnecessário a conversa por meios habituais. Eu falava, ela escutava. E consentia no olhar. Falei a ela sobre uma a uma de suas filhas. Nós. As quatro filhas da Dona Estela.


Parecia que ela precisava ouvir isso! O que cada uma fazia. O caminho que cada uma trilhava. E que estavam bem!

Uma a uma, falei à minha mãe da desnecessidade dela se preocupar conosco. Que estavam todas encaminhadas. Como se fosse necessário dizer. Acrescentei dizendo que eu e a Mariza ainda correríamos juntas um dia. Isto, eu cumpri. Só não consegui cumprir a outra parte da minha promessa para ela descansar sobre mim. Não, mãe. Ainda não vivi outra história de amor que falei à senhora que viveria. Ela sabia bem da história do meu grande amor vivido. E sabia de mim, tão bem quanto eu mesma. Ou mais… 

Ela me olhava com olhos fixos em mim, como se me dissessem que era isto que ela precisava ouvir. Poucas horas depois, enfim, descansou. Penso eu, que se preocupava  tanto com cada uma de nós, que não queria ir. E ouvir de mim sobre cada uma, lhe deu, de uma certa forma, um alívio. Que tudo ia dar certo, mesmo que ela precisasse sair de cena pra descansar... 


Minhas irmãs seguem o caminho dentro do conversado. Acima do falado com ela. Melhor. Ela estaria despreocupada sobre isso. Estaria feliz de conhecer seus bisnetos. Estaria com a cabeça branquinha como esteve nos últimos meses dela, quando deixou de pintar seus cabelos que sempre foram pintados naquele conjunto dela, de Dona Estela vaidosa, com roupas combinando, maquiagem impecável, aquela elegância que nenhuma de nós tem tanto como ela. Por mais que cada uma tenha seu jeito especial de ser.

Que lembranças tenho dela? Seus diversos modelitos de cabelo. Estela pianista. Estela violinista. Estela tenista. Estela nadadora. Estela dançarina. Estela discretíssima e quieta. Mãe da sacolinha de plástico que ela sempre me dava com algo dentro. E que quando eu teimava levar estes algos na mão, corria ela até o portão com a tal da sacola na mão… “Põe na sacola!” me dizia ela. Eu resmungava e obedecia! Que falta me faz!!!

Mãe costureira que costurou meus primeiros biquínis! Roupas de revista. Das blusas lindas de tricô e que pacientemente ela me ensinou e, apesar de não parecer, sei fazer muito bem! Graças a ela! Dos quiabos que ela fazia só pra me agradar e chamar como isca pra eu ir lá, quando ela estava com saudade de mim! E não tinha coragem de falar claramente. Apenas ligava, naqueles telefones de verdade, que você fala e não manda mensagem, e dizia pra mim… “Fiz quiabo!”

Mãe desengonçada quando se tratava de demonstrar carinho. Não sabia! Não recebeu de criança, não sabia fazer. Não dizia “Eu te amo”. Mas eu sabia o quanto me amava.


Esteve doente por longos anos. De uma serelepe saudável que impressionava pela disposição, mesmo sendo uma senhorinha, adoeceu se tornando uma franzina senhora que se cansava fácil. Já não dirigia. E não se entregava, em hipótese alguma, à dor, a desistir, a deixar de viver.

Teve muitas dores. Aliviava-lhe o inchaço das pernas, a massagem que eu lhe fazia. Puro xodó pra ganhar um carinho gratuito, o toque que ameniza a dor. Muito mais do que qualquer medicamento faria! Aprendeu a pedir! Coisa que não sabia. Pois se eu por algum motivo, tentasse ir embora me esquivando de fazer sua massaginha nas pernas, ela dizia… “Não vai fazer massagem?”

A doença da minha mãe, aparentemente, a levou de nós. Mas na verdade, trouxe a de volta. Parou o tempo para resgatarmos carinhos não feitos, palavras não ditas, o convívio sincero, sem máscaras, intenso! Pudemos nos dar o melhor presente uma a outra: estar presentes! Todo dia. Todo tempo disponível. Fazendo o tempo ser disponível para isso. O mais importante. Estar perto de quem se ama, incondicionalmente.

Tenho certeza! Se estivesse viva, seria meu ninho ainda. De retorno, toda que me  sentisse sozinha, insegura. Querendo apenas estar perto, quieta, de quem me compreende, mesmo que eu não diga nada. Estas linguagens que só o amor compreende.